quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A ARTE PERDIDA DA CONTEMPLAÇÃO


Miguelanxo Prado, quadrinista, levou quatro anos e reza a lenda, pintou cerca de 10.000 telas à óleo para poder fazer a animação “De Profundis”.

É um filme para se ver com calma, com um espírito contemplativo, não tem falas, grandes cenas de ação, a música é instrumental e orquestrada. Se fosse em um desenho de qualquer canal a cabo para crianças, penso que toda a situação seria resolvida em alguns minutos.



Outro dia, meu irmão mais velho deu uma bronca em sua filha porque ela engoliu um bombom Sonho de valsa em uma só mordida – você sentiu algum sabor ? – foi o teor da pergunta.

O MP3 arruinou minha sensibilidade e paciência com a música... Hoje entendo... discos, álbuns devem ser consumidos com a moderação, calma, digestão... respeitando o tempo que levaram para ser feitos...

O Glutamato monossódico, elemento químico estimulador das papilas gustativas (na sua língua) presente na maioria dos alimentos industrializados “implodiu” sua capacidade de sentir e distinguir a sutileza dos sabores...

Outro dia assisti Stalker, filme de 1979 do cineasta russo Andrei Tarkovski. Confesso com vergonha que durante os 163 minutos quase cochilei duas ou três vezes... Mas ainda hoje, três semanas depois, consigo ter visões e conclusões diferentes sobre o sentido do filme.



Nesta era da informação tem sido um exercício sentar e ler um livro. Nossos órgãos sensoriais querem mais e muitas vezes querem pronto.

Um exemplo hipotético: Um filme é fragmentado em várias partes, sua ordem: começo, meio e fim é trocada; ou ainda criam-se várias pequenas histórias que têm um ponto em comum... Ao acabar de vermos tal filme teremos a falsa sensação de satisfação por conseguir entender o filme, o quebra-cabeça básico e premeditado do diretor... Realmente usamos nosso cérebro em algum momento nisso? Avançamos? Interpretamos?

A fragmentação de informações é tanta que não sobra tempo ou espaço para digerirmos de modo decente ou encaixá-las em meio às outras que já possuímos, o que dirá elaborarmos uma opinião própria e fundamentada embaixo deste bombardeio... O processo de construção de conhecimento fica comprometido ou na beira do limite da exaustão.

Puxar o freio de mão, buscar a arte perdida da contemplação ainda é possível. E cabe ao indivíduo em plena era da informação, assumir a contraditória postura de negar o excesso de estímulos sensoriais para salvar sua sanidade e capacidade de pensar.
E isso será sem dúvida um ato de resistência em nosso tempos.

Um comentário:

  1. Muito louco o texto parabéns! concordo plenamente informação veloz e ineficaz paralisa cérebros.

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