sexta-feira, 12 de março de 2010

GLAUCO E OS SUPER HUMANOS



FINAL DOS ANOS 80

Por volta de 1987, Formiga e Sono (os melhores desenhistas da sétima série) começaram a estudar aos sábados na ASBA (Associação São Bernardense de Belas Artes) na missão de doutrinarem seus desenhos adolescentes. Nerds moderados (pois andavam de skate e ouviam rock) conviviam pacificamente com os nerds faixa-preta (aqueles que não tinham vida social, usavam óculos pesados e tinham mais espinhas que o normal).

Virou hábito dos nerds guardar o dinheiro da coxinha para comprar gibis usados nas bancas do centro de São Bernardo no fim das aulas. Ansiosos, seguiam com suas pastas A3 e buscavam compulsivamente gibis raros no meio das caixas empoeiradas. Formiga e Sono aprenderam rápido que os nerds faixa-preta não gostavam de quadrinhos nacionais, só de super-heróis e por isso escondiam suas aquisições desse tipo para não enfrentarem o olhar de desprezo alheio. Na volta para os prédios mostravam orgulhosos o que haviam conseguido garimpar escondido:
-Mano, olha só essa Chiclete com Banana...
-Eu peguei essa dos Piratas do Tietê.

E assim, figuras como Mara Tara, Geraldão e Fagundes tomavam gradativamente o lugar do Capitão América, do Wolverine e do Super-homem. Era o triunfo dos super-humanos sobre os super-heróis.

XXX

Quem cresceu nos anos 80 ou 90 e tinha o costume de ler histórias em quadrinhos nacionais, com certeza conhece três nomes: Angeli, Laerte e Glauco.



Angeli era o mais ácido dos três. Com sua revista Chiclete com Banana fazia uma crônica ácida e extremamente contemporânea de tudo que se passava no mundo noturno e urbano de São Paulo. Com seus punks, carecas, boêmios e modistas new-wave, retratou e nos antecipou um pouco do que era a noite paulistana, algo que veríamos com nossos próprios olhos quando a idade nos permitisse.



Laerte tinha um traço genial. Do alto dos meus treze ou quatorze anos, julgava ser ele o melhor desenhista do trio. Tinha o traço detalhista e fluído, desenhava o que queria com facilidade. Toda vez que passo pela marginal Tietê imagino seus piratas tomando a cidade em um dos quadrinhos mais fodas que já li.



Era um vizinho alcóolatra que me emprestava os gibis do Geraldão, desenhados pelo Glauco. Não entendia seu traço, mas ria espontâneo de seu humor extremamente anárquico e desafiador (que aprendi a entender ser perfeitamente coerente com seu estilo de desenho). Um garotão onanista com uma seringa no nariz e que tinha tara pela própria mãe – uma senhora de meia idade tarada que assediava sexualmente os estagiários do escritório onde trabalhava –, ou um nóia menor abandonado que aborda os motoristas paulistanos com uma faca. Geraldão, Dona Marta e Faquinha são personagens do Glauco que sintetizam o encanto que tinham suas histórias, o rir de si mesmo, do absurdo humano, da miséria que nos resume. E até seu traço debochado e econômico demonstrava exatamente isso, nós - pobres seres bípedes atrás de nossos desejos mais primitivos... E o melhor é que isso era extremamente divertido!

A junção dos três produziu as histórias dos “Los três amigos”, que posso afirmar (sem medo de ser injusto) que é o que há de mais engraçado jamais lançado em histórias em quadrinhos.

E hoje, vem a triste notícia do falecimento do Glauco que soa como a perda de alguém próximo... Não dá para entender, nem dá nem para ficar falando muito. Brutal. Só consigo pensar que se a missão dele era fazer rir, todos nós sabemos que partindo nesse momento ele parte com missão cumprida. Suas tiras, simples, tinham a capacidade de roubar-nos um sorriso mesmo no meio de um dia atribulado e cansativo. E isso, é tão nobre... Vai fazer muita falta. Descanse em paz Glauco!

...

5 comentários:

  1. Belíssimo post, Grão. Homenagem justa e sincera de alguém que teve sua vida modificada pelas criações do Glauco. Compartilho desse mesmo sentimento de ter perdido alguém próximo, alguém que certamente ria das mesmas merdas que eu, até porque sempre me fez rir das situações absurdas que colocava no papel.

    Muitos anos depois da ASBA, quando estava na faculdade e militava na Ensaio, lembro que fiquei felizão quando fiquei sabendo que a editora ia lançar um hq encadernado dos Los Três Amigos. Lembrei muito dessa e de outras histórias, e vendia orgulhoso aquela pérola da hq nacional. Mesmo o mais radical dos marxistas contava as moedas pra comprar o livro, pois, assim como nós dois, tivera sua vida marcada por esses personagens e histórias, anos antes.

    Tempos depois, a editora lançou também uma coletanea encadernada do Geraldão, de capa verde, chamada "As espocadas do Geraldão".

    Um imbecil tirou o Glauco da gente (provavelmente um imbecil que, como pontuou o Baixinho, nem saiba quem era o cara e sua importância pra cultura nacional), mas nada nem ninguém pode tirar seu legado das nossas gavetas, estantes e mentes.

    abraço do amigo
    Sono.

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  2. muito bom grão adorei e viegas concordo genero e numero e grau, ontem comecei ler de novo os meus gibis do geraldão porque tenho a coleção completa de geraldão, chiclete e niquei nausea , esses são os gibis verdadeiros com histórias verdadeiras

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  3. Muito legal lembrar aquele que sempre nos retratou de forma simples e direta toda as neuras do dia dia...como eu era fã do Henfil, não precisa dizer mais nada a perda deste grande Criador!!!Adelia

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  4. Ótimo post!

    O regate ao mais puro e bom saudosismo!

    A violência e a brutalidade que esta aí fora bate a nossa porta todos os dias!

    Provos Brasil

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  5. E aliás, sua homenagem ficou muito melhor do que a da Vice: http://www.viceland.com/blogs/br/2010/03/19/o-dia-em-que-tomei-daime-com-glauco/

    Muito melhor.

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